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Os mercados financeiros foram impactados pela pandemia, mas a liquidez e os fundamentos estão voltando

Mesmo com a expansão da crise humanitária e econômica consequência da pandemia do coronavírus, as autoridades econômicas reagiram com velocidade e suporte sem precedentes, e os mercados financeiros começaram a vislumbrar os contornos de uma recuperação.

A falta de liquidez e as vendas forçadas já diminuíram em segmentos de alta qualidade do mercado de renda fixa, como títulos do Tesouro dos EUA e títulos hipotecários garantidos pelas agências federais (agency MBS). Ao longo do tempo, outros setores devem se recuperar e voltar a ter liquidez, embora muito dependa dos detalhes e da implementação de políticas de ajuda, de novos programas governamentais e da trajetória da recuperação econômica.

De forma geral, acreditamos que os setores mais resilientes do mercado se estabilizarão bem antes da recuperação da economia. Contudo, alguns segmentos – como títulos corporativos sem garantia e de menor qualidade e empréstimos garantidos sênior – podem enfrentar perdas de capital reais e permanentes.

Conforme detalhado em nossa recente Perspectiva Cíclica “Do sofrimento à cura”, os mercados financeiros e a economia global provavelmente passarão de uma fase bastante negativa no curto prazo para uma recuperação gradual ao longo dos próximos seis a 12 meses. Embora continuem a existir riscos substanciais, nosso cenário base prevê uma recuperação global em forma de “U” (ver Figura 1). Contudo, a trajetória pode se assemelhar a um W caso ocorra uma segunda onda no surto do vírus.

Na qualidade de investidores, não podemos contar com uma projeção modal de uma recuperação em forma de “U”. Temos de fazer testes de estresse e nos preparar para uma trajetória em forma de “W”, possivelmente mais nefasta, tanto na crise de saúde como nos mercados financeiros. Uma segunda onda poderia ser devastadora em termos de rebaixamentos de ratings e inadimplências.

Estabilização do Núcleo

Nos Estados Unidos, as políticas do Fed e do Tesouro contribuirão bastante para distribuir capital por todo o sistema financeiro, ajudando os mercados a funcionar e assim apoiar uma recuperação na economia real.

Além da ajuda aos mercados de títulos do Tesouro dos EUA, títulos hipotecários garantidos (agency MBS), créditos com grau de investimento e money market anunciada anteriormente, em 9 de Abril o Federal Reserve anunciou US$2,3 trilhões adicionais em capacidade de empréstimos, incluindo novos mecanismos de empréstimos e compras de ativos.

Em especial, o Fed ampliou o acesso aos seus programas de empréstimos corporativos nos mercados primário e secundário. Esses programas passaram a incluir as empresas que tinham grau de investimento em 23 de março (quando foram anunciados), mas que posteriormente foram rebaixadas para high yield. Estimamos que isso pode expandir a elegibilidade dos programas para 100 ou mais empresas, com US$ 500 bilhões em títulos em circulação.

As novas linhas de crédito do Fed darão suporte ao fluxo de crédito às pequenas e médias empresas, muitas delas dizimadas pelo fechamento obrigatório, e aos governos estaduais e locais que enfrentam um declínio na arrecadação tributária.

Acreditamos que essas medidas ajudarão a estabilizar os mercados de ativos tradicionais mais “seguros” – os títulos do Tesouro dos EUA, MBS garantidos (agency MBS), títulos corporativos de alta qualidade, dívidas securitizadas e títulos municipais. Desde 23 de março, quando o Fed ampliou o programa de afrouxamento quantitativo, os spreads de MBS de agências se recuperaram de níveis extremos, a liquidez retornou ao mercado de títulos do Tesouro dos EUA, o valor relativo se normalizou e os mercados de crédito reabriram para as empresas com grau de investimento.

Ainda assim, os mercados não estão de forma alguma de volta ao normal, e o sistema financeiro continua frágil e dependente da ajuda dos bancos centrais. Dado o tamanho e o escopo das rupturas nas economias e nos mercados, levará tempo para restaurar completamente o funcionamento do mercado financeiro, e o Fed poderá ser incapaz de evitar estresse nos segmentos mais arriscados.

Círculos Concêntricos – Um Modelo de Risco e Retorno

Em tempos de crise, uma estrutura sólida para avaliar risco e retorno é fundamental. Desde a crise financeira de 2008, a PIMCO tem utilizado um conceito de círculos concêntricos (ver Figura 2), que coloca as classes de ativos mais líquidas e menos arriscadas no centro e preenche os anéis externos com segmentos cada vez menos líquidos e mais arriscados.

Embora a pandemia continue a atingir os componentes dos círculos, é instrutivo rever o desempenho das classes de ativos ao longo das três fases que se sucederam até agora:

Fase 1 (final de Fevereiro) – Esperança e proteção: Investidores inseguros quanto aos resultados e a gravidade do surto de COVID-19 se abstiveram de ativos de risco e se protegeram com a compra de títulos públicos de alta qualidade, levando a uma queda nas taxas de juros.

Fase 2 (meados de Março) – Redução de riscos, desalavancagem, busca por liquidez: Na medida em que passaram da esperança de uma recuperação em “V” para uma trajetória mais realista em forma de “U”, os investidores reduziram os riscos dos portfólios e venderam ativos – em alguns casos voluntariamente, para aumentar a liquidez, mas em muitos outros para atender a chamadas de margem com rapidez. Nessa segunda fase, muitos ativos considerados relativamente líquidos, como títulos do Tesouro dos EUA de emissões mais antigas e MBS de agências, sofreram pressão significativa, o que desacelerou o processo de desalavancagem e redução de riscos. Isso criou um círculo vicioso que pressionou os ativos mais seguros dos círculos internos, inclusive commercial papers e produtos securitizados com classificação AAA, antes de finalmente devastar os mercados de crédito.

Em março, devido à falta de liquidez, os mercados de crédito em geral enfrentaram seu pior mês desde a crise financeira.

Como mostra a Figura 3, os spreads de uma ampla gama de ativos se ampliaram com o movimento de venda e alguns segmentos despencaram, atingindo mínimas históricas (ver Figura 3).

Fase 3 (atual) – Ofensiva oportunista: Com a estabilização decorrente dos pacotes dos banco centrais , os investidores estão buscando oportunidades provenientes da volatilidade, da crise e da queda dos preços.

Contudo, não esperamos que os mercados – nem alguns componentes de nossos círculos concêntricos – retornem exatamente às posições pré-crise. Dado o envolvimento do governo em alguns mercados e não em outros, os investidores podem ter opiniões diferentes sobre liquidez, alavancagem e volatilidade. Além disso, as perspectivas para as taxas de juros, crescimento e preferências dos consumidores em relação à poupança e ao consumo podem ter mudado para sempre.

Mudança de Forma

Na medida em que a liquidez vai voltando ao mercado, ela fluirá e se assentará em novos padrões. Embora os mercados continuem voláteis, estas são nossas visões setoriais sobre oportunidades de risco e retorno, começando no centro do círculo e trabalhando para fora dele.

Ativos do Círculo Central

Commercial papers
O mercado de commercial papers (CP) continua tenso. As condições melhoraram desde Março, quando o Federal Reserve reduziu os juros para próximo de zero e anunciou a Commercial Paper Funding Facility1 (Linha de Financiamento de Commercial Papers) para sustentar o fluxo de crédito para famílias e empresas. A taxa de overnight garantido está em 0,01%, pouco acima do limite de zero. Embora os spreads dos CPs de primeira linha, com classificação A1/P1, atinjam até 1,5%, os dos CPs de qualidade mais baixa (não incluídos no programa) continuam acima de 2,5%.2

Títulos do Tesouro dos EUA
Os títulos do Tesouro dos EUA continuam a ser a melhor fonte de diversificação e de potencial de valorização em um cenário de deterioração além do esperado da economia e mercados – embora muito menos agora do que no passado, devido ao nível baixo dos juros. É provável que a taxa de juros dos títulos do Tesouro dos EUA com prazos curtos e intermediários continuem ancorados pela política monetária por um período prolongado, embora a inclinação da curva de juros possa aumentar devido ao tamanho dos programas de estímulo fiscal, déficits orçamentários e preocupações com a oferta de títulos.

Títulos hipotecários garantidos pelas agências federais – Agency MBS (-3 bps no spread desde o início da crise)3

Os agency MBS começaram a se estabilizar e devem se normalizar como um dos segmentos mais líquidos do mercado. Em 9 de Abril, o Fed prestou socorro decisivo, interrompendo a venda desses títulos de seu balanço e anunciando um programa robusto de compras. É provável que esses títulos continuem a ter bom desempenho num mercado líquido e de alta qualidade, que continua barato em termos de valuation de longo prazo.

U.S. Treasury Inflation-Protected Securities (TIPS) (-42 bps)

Em nosso ponto de vista, os TIPS (títulos do tesouro americano indexados à inflação) continuam atraentes. Esperamos uma recuperação à medida que as condições de liquidez se normalizem com a continuação das compras do Fed. Além disso, é provável que o Fed mantenha as taxas baixas, pois acreditamos que ele deseje ver aumento na inflação e estimular a economia por algum tempo. Os TIPS também podem funcionar com um hedge barato nos portfólios.

Ativos do Círculo Intermediário

Títulos hipotecários não garantidos pelas agências federais – Non-agency MBS (Legados: +285 bps; sênior AAA RPL
+130 bps)

Os preços no amplo mercado de non-agency MBS caíram cerca de 10 pontos percentuais em Março, devido à reprecificação de todos os ativos de risco. Contudo, os fundamentos dos títulos sênior desta classe de ativos provavelmente continuarão sólidos em diferentes cenários econômicos: a relação empréstimo/valor do imóvel continua baixa, uma parte grande das hipotecas já foi paga ao longo dos últimos anos pelos proprietários dos imóveis e as taxas de juros dessas dívidas continuam acessíveis. Vemos fundamentos e oportunidades similares nos títulos sênior de reperforming loan (títulos hipotecários regularizados). Entretanto, preocupações em relação a fundamentos ou solvência podem pesar sobre os empréstimos mezanino e as notas de transferência de risco de crédito (outras classes dos títulos hipotecários, mais arriscados, em nossa opinião).

Títulos hipotecários comerciais sênior AAA (CMBS) (+85 bps)

É improvável que os títulos CMBS sofram perdas permanentes, devido aos fluxos de caixa que devem permanecer resilientes em uma ampla gama de cenários econômicos. A reprecificação recente provavelmente reflete prêmios de liquidez e complexidade e não uma piora nos fundamentos de risco de crédito. Cabe destacar que nenhum CMBS sênior sofreu perdas durante a crise financeira.

Títulos colateralizados em empréstimos bancários sênior AAA (CLOs – collateralized loan obligations) (+88 bps)

Os CLOs com classificação AAA oferecem oportunidades similares às dos CMBS. Os spreads mais altos provavelmente refletem prêmios de liquidez e complexidade e não uma piora no fundamento de risco de crédito. Os CLOs sênior incorporam proteções aos investidores, reforço de crédito rígido de 35% a 40%, proteção por meio de tranches de ações e mezanino e contam com spreads excedentes. É provável que um CLO típico possa suportar perdas de 40% a 45% nos empréstimos bancários subjacentes antes de se deteriorar. Os fundamentos são claramente muito mais favoráveis que os do mercado de empréstimos bancários subjacentes, de forma que os retornos ajustados pelo risco devem ser muito melhores.

Crédito com grau de investimento (+131 bps)

Os mercados de crédito corporativo com grau de investimento começaram a se normalizar após o Federal Reserve ter tomado uma medida sem precedentes, criando dois programas para a compra destes créditos em 23 de março, linhas que foram ampliadas em 9 de abril para incluir empresas recém-rebaixadas para high yield. Um programa comprará títulos emitidos recentemente, enquanto o outro dará liquidez ao mercado secundário. Ambos os programas irão se concentrar em títulos de alta qualidade, com prazos curtos e intermediários.

Contudo, apesar do aumento do número de oportunidades com preços atraentes, devemos advertir que apenas os títulos que permaneçam sob a proteção do banco central americano podem ser considerados como “ativos de spread seguro”. É provável que haja suporte técnico para a dívida de empresas de alta qualidade e de fallen angels (empresas com classificação BBB- rebaixadas para high yield), mas os programas de compra de ativos podem apenas suprir falhas de liquidez, mas não resolver fundamentos deficientes ou estruturas de capital com alavancagem excessiva.

Títulos municipais /Tít. Tesouro EUA (+99 bps)

Os títulos municipais americanos estão sendo beneficiados por uma série de programas de apoio governamental – exceto os de prazo mais longo, que mesmo assim estão começando a se recuperar. Embora presos a ciclos de fluxo, esses títulos ainda apresentam uma boa oportunidade, já que os spreads em relação aos títulos do Tesouro dos EUA são grandes e suas taxas continuam competitivas em relação a títulos corporativos comparáveis.

Ativos do Circulo Externo

Dívida externa de mercados emergentes (ME) (+275 bps)

É provável que os mercados emergentes demorem mais para se recuperar e seus ativos devem retormar completamente apenas quando as implicações econômicas duradouras da pandemia forem plenamente compreendidas. Entretanto, os ME devem ser beneficiados pela liquidez abundante fornecida pelos bancos centrais. No curto prazo, damos preferência a títulos soberanos e corporativos de alta qualidade, denominados em dólares norte-americanos. Assumimos uma postura cautelosa em relação a países exportadores de petróleo, de menor qualidade. Como sempre é o caso no investimento em mercados emergentes, os resultados serão determinados por uma análise de fundamentos criteriosa e pela seleção de títulos.

Títulos corporativos high yield (+441 bps)

Os spreads dos títulos high yield (+441 bps) subiram dramaticamente, mesmo assim, acreditamos que as dificuldades fundamentais ainda não foram integralmente precificadas nos empréstimos bancários e em outros mercados de high yield. Continuamos cautelosos devido ao aumento da alavancagem e à possibilidade de inadimplências elevadas e imprevisíveis. É provável que o estresse nos balanços de muitas empresas surja ainda este ano, devido ao alto grau de alavancagem nos mercados high yield e de empréstimos bancários.

Novos contornos, Riscos e oportunidades

Mesmo após as medidas de liquidez e o socorro sem precedentes começarem a impulsionar alguns mercados, persistem incertezas significativas. Como investidores, somos constantemente lembrados em nosso dia-a-dia que esta é, antes de tudo, uma crise de saúde pública. As perspectivas para os mercados financeiros dependem, em grande medida, das perspectivas para a economia real. A rapidez com que podemos retornar a alguma forma de normalidade dependerá do tratamento para a doença e dos testes.

Nosso cenário base é de uma recessão profunda, mas de vida curta, com uma recuperação em forma de “U”. No entanto, não podemos descartar a noção de que haverá falsos recomeços. Certamente existe o risco de uma recuperação desigual e de perdas permanentes de capital. Este é um ambiente extremamente incerto, que justifica cautela e humildade.

Mas a incerteza gera oportunidades. A estrutura de círculos concêntricos da PIMCO fornece um roteiro sólido para as oportunidades. Os mercados começarão a se recuperar a partir dos ativos do círculo interno, mais líquidos e de menor risco, e as melhorias poderão então avançar para as áreas mais arriscadas no perímetro externo. Esse ambiente certamente favorecerá uma abordagem coordenada, disciplinada e paciente, que é o principal ponto forte do processo de investimento consagrado da PIMCO.

Fonte: PIMCO

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